No estado do Amazonas, muitas mulheres acometidas por câncer vivem uma realidade marcada por longas jornadas fluviais. Moradoras de municípios distantes, algumas precisam navegar de dois a sete dias em lancha ou barco até chegarem à capital Manaus para dar continuidade ao tratamento.
A unidade de alta complexidade para oncologia do estado, a Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas (FCECON), é a única referência desse tipo na região para os 62 municípios. Isso significa que mulheres diagnosticadas com câncer de mama, colo de útero ou intestino, entre outros, têm de enfrentar deslocamentos muito além do ideal para prosseguir o tratamento.
A aposentada de 67 anos, Bersilda Moura da Costa, que mora na região do Alto Solimões, na fronteira com o Peru, já passou um ano longe da sua casa e de seus filhos, navegando em condições difíceis para receber o cuidado necessário. “Depois que tirei minha carteirinha de idosa, consegui desconto. Paguei R$ 500, R$ 600 na passagem. Mas o mais difícil foi ficar longe dos meus filhos”, relatou.
A logística aquática da região agrava o desafio: algumas localidades só são acessíveis por rio, e o percurso pode levar de três dias e até duas semanas. Muitas chegam debilitadas, sem hospedagem assegurada ou alimentação regular. A ativista e ex-paciente de câncer de mama, Dani Veiga, comenta: “Muitas mulheres chegam a Manaus já em estágio avançado. A demora começa lá atrás — nos exames que demoram a sair, nas biópsias que atrasam e no início do tratamento que não acontece a tempo.”
O problema não se limita ao transporte. Quando conseguem chegar à cidade, elas enfrentam a solidão e a incerteza da estadia. A Rede Feminina de Combate ao Câncer do Amazonas destaca que “algumas pacientes não têm onde ficar ou o que comer”. Um dos poucos espaços de acolhimento é a Lar das Marias, uma ONG que dispõe de 25 dormitórios para até 50 pacientes, oferecendo apoio psicossocial, oficinas e alimentação. Entretanto, é insuficiente frente à demanda.
Para responder à situação, especialistas pedem descentralização dos serviços de oncologia, implantação de centros regionais e uso de lanchas mais rápidas. “Não basta chegar à capital. Essas mulheres precisam de dignidade para continuar o tratamento”, afirma a enfermeira oncológica Marília Muniz. Sem essas transformações, a saúde dessas mulheres continuará marcada por atrasos, distância e desigualdade — não por falta de vontade de viver, mas por limitação de acesso.
Fonte Folha de S.Paulo / Imagem ilustrativa gerada por IA
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