O leite materno é reconhecido como o alimento mais completo para o bebê, essencial para o crescimento e o desenvolvimento saudável nos primeiros meses de vida. A amamentação contribui para a redução da mortalidade infantil, ajudando a combater doenças respiratórias, alergias e infecções, além de trazer benefícios importantes para a saúde da mulher. Um novo estudo aponta que, durante o período de lactação, células de defesa são estimuladas no tecido mamário feminino, auxiliando no combate a tumores agressivos, como o câncer de mama.
Esses efeitos positivos da amamentação vêm chamando a atenção da comunidade científica. Pesquisadores da Universidade de Melbourne, na Austrália, levantam a hipótese de que o histórico reprodutivo feminino pode desencadear mudanças no sistema imunológico das mamas, moldando a forma como esse tecido responde a ameaças no decorrer da vida. Em outras palavras, essa hipótese se conecta a evidências já apontadas por outros estudos sobre o papel central da gravidez, da amamentação e da involução – período pós-gestação em que o útero retorna ao seu tamanho original – na proteção imunológica das mulheres. Esse processo é considerado o principal responsável por reduzir os riscos de desenvolvimento de câncer mama a longo prazo.
O ginecologista, Daniel Guimarães Tiezzi, professor do Departamento Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, diz que em estudos anteriores, incluindo pesquisas conduzidas no centro de pesquisa Fox Chase Cancer Center, na Filadélfia, Estados Unidos, já haviam demonstrado que a gestação pode induzir determinadas modificações moleculares, e que essas alterações estão relacionadas à redução do risco de desenvolvimento do câncer de mama. Esses achados estadunidenses indicam que essa alteração ocorre em células primordiais, conhecidas como stem cells ou células-tronco.
Proteção imunológica
Os cientistas australianos analisaram amostras de tecido mamário saudável de mais de 250 mulheres submetidas a cirurgias de redução de mama ou mastectomia preventiva. A análise revelou que mulheres que tiveram filhos apresentavam um acúmulo significativo de linfócitos T CD8+, células do sistema imunológico responsáveis por atacar diretamente células tumorais. O estudo também observou que essas células permanecem no organismo feminino por décadas após o nascimento do bebê, funcionando como uma espécie de memória imunológica frente a ameaças já reconhecidas.
Para reforçar os achados observados em humanos, os pesquisadores realizaram um experimento complementar em camundongos. Os animais passaram por um ciclo de procriação, amamentação e lactação, com duração aproximada de 48 horas. Em seguida, células tumorais foram introduzidas nas glândulas mamárias tanto dos roedores que haviam gestado quanto de animais virgens. A comparação mostrou que os tumores se desenvolveram de forma mais lenta nos camundongos que passaram pelo processo de amamentação do que naqueles que nunca gestaram.
Com isso, o estudo reforça o papel da gravidez e da amamentação como fatores centrais na proteção do organismo feminino, ao induzirem respostas imunológicas capazes de reduzir o risco da doença. “O grande benefício desse estudo é que ele abre portas para o desenvolvimento de estratégias ativas de redução de risco e de prevenção do câncer de mama”, destaca Tiezzi.
Barreiras metodológicas
Apesar de levantar hipóteses relevantes, o estudo ainda deixa questões cruciais em aberto, como o impacto da idade da mulher no momento da gravidez. “A pesquisa atual não avaliou a relação entre a idade gestacional e a proteção contra o câncer de mama. Estudos mais antigos sugerem que esse efeito protetor ocorre principalmente quando a gravidez chega a termo em idades mais precoces, em geral até os 23 ou, no máximo, 25 anos. Gestações posteriores parecem não oferecer o mesmo grau de proteção”, explica o ginecologista.
Outro ponto destacado é a própria limitação metodológica da pesquisa. “Estudos observacionais são particularmente sensíveis a vieses, que são erros sistemáticos associados ao desenho do estudo. Essa é a principal barreira deste trabalho específico”, conclui o professor Daniel Tiezzi.
- Fonte: Jornal da USP
- Imagem: Freepik
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